Rinpoche, você morou e ensinou em muitos países ao longo dos anos. Na sua experiência, quais ensinamentos são os mais importantes para todos nós ouvirmos?
De todos os ensinamentos budistas, talvez nenhum seja mais importante que aquele sobre motivação pura. Se eu fosse deixar apenas um legado, ele seria a sabedoria da motivação pura. Se fosse para eu ser conhecido por um título, gostaria que ele fosse “lama da motivação”. Essa motivação começa com compaixão pela situação difícil dos seres sencientes. Ela culmina na manifestação iluminada de benefício espontâneo e ininterrupto por esses seres.
Para estabelecer a motivação de um bodisatva, começamos cultivando compaixão, o desejo poderoso de aliviar o sofrimento onde quer que ele surja. A aspiração de que os seres sencientes encontrem felicidade, tanto temporária quanto definitiva, acrescenta o elemento de amor. Nós reconhecemos que todos os seres são iguais por terem sido nossas mães e são semelhantes em seu desejo por felicidade, não importando o quão equivocados ou frustrados possam ser seus métodos para obtê-la. Esse reconhecimento funciona como um ponto de partida para a equanimidade. Equanimidade incomensurável surge com a compreensão de que a natureza essencial de todos os seres é a natureza búdica; e, apesar dessa natureza estar irreconhecível sob camadas de obscurecimentos cármicos e padrões habituais, o potencial dos seres para a iluminação nunca é reduzido, maculado ou perdido. Nós podemos nos regozijar com essa natureza búdica inerente aos seres, assim como podemos nos regozijar quando a virtude deles lhes traz felicidade. Essa é a fonte de regozijo espiritual.
As quatro qualidades de compaixão, amor, equanimidade e regozijo podem se manifestar espontaneamente a partir de nossa essência búdica e, repentinamente, nos motivar a procurar o caminho espiritual. Então, em uma espécie de espiral ascendente, quando ouvimos, contemplamos e meditamos sobre os ensinamentos sobre motivação pura, nós somos inspirados a cultivar essas quatro qualidades incomensuráveis de uma maneira mais aprofundada.
Em nenhum ponto do caminho do darma, essas qualidades ou a motivação de desenvolvê-las se torna irrelevante. Em vez disso, elas começam a influenciar todas as nossas ações de corpo, fala e mente. Elas são apoiadas pelos votos: nosso voto de refúgio, de abster-se de causar mal; o voto de bodisatva, de almejar a iluminação de todos os seres; e o voto do Vajrayana, de manter o reconhecimento não dual da pureza essencial de todos os fenômenos.
No momento em que nosso coração se move em direção à compaixão por todos os seres, nossa motivação se expande em direção à motivação que tudo abarca de um bodisatva. Incapaz de suportar o sofrimento dos outros, fazendo o voto de trabalhar constantemente pelo bem-estar de todos, o bodisatva busca a iluminação a fim de liderá-los a este mesmo estado. Se cultivarmos a intenção pura do bodisatva, então cada aspecto de nossa prática espiritual, seja a purificação ou a geração de mérito, adquire um novo significado. Ao domar as nossas próprias mentes e realizar virtude, nós podemos influenciar e beneficiar os outros de uma forma muito poderosa. Ao seguir os exemplos soberbos dos bodisatvas antes de nós, nós cortamos o apego ao eu e oferecemos aos outros o que quer que seja positivo de uma maneira livre.
Por meio da motivação altruísta de um bodisatva, em algum momento iremos realizar os dois benefícios – manifestação compassiva para os outros e realização da verdadeira natureza para nós mesmos. É por isso que toda as sadanas de prática do Vajrayana abrem com preces preliminares que estabelecem a nossa motivação boditchita. Na prática principal, as deidades, sejam elas pacíficas ou iradas, corporificam as qualidades de compaixão. Da mesma forma, todas as sadanas concluem com o selo da motivação pura quando, por meio de preces de dedicação, o mérito é oferecido para o benefício dos seres sencientes. Assim, cada estágio das sadanas, restabelece a motivação da mente grandiosa. Sem isso, a prática é vazia, um mero fingimento.
A tradução foi feita por Luciano Ribeiro, a quem cabe os resultados de qualquer erro derivado de falhas linguísticas ou da má compreensão dos ensinamentos.